Vocês precisam parar!

Vocês precisam parar
Nessa semana, por duas vezes, eu convivi com a insensibilidade tanto de pretos quanto de brancos. Começo assim, pois esse pedido não se limita a um grupo. Eu convivi com a insensibilidade, mesmo sem exigir nada: vocês vieram até mim sem que eu pedisse, sem que eu solicitasse, sem que eu deixasse. 

Vocês precisam parar!

Ontem eu escutei do meu pai que talvez eu fosse mais forte que ele. Eu já escuto isso da minha mãe há alguns anos, dos amigos, desde sempre. A Willyane é aquela pessoa que briga, que encara, que luta e dá a cara a tapa. “A Willy é guerreira”, “A Willy enfrenta”, “A Willly busca”. Construções que as minhas atitudes devem perpassar e, de fato, não me comovo com pouco (exceto em alguns dias do mês. Esse clichê, em mim, é bem verídico). Mas até onde as suas construções atingem o que meu peito sente, o que meus olhos vêm ou o que minha mente pensa?

Vocês precisam parar!

Voltando do Perú, o ato de decidir voltar, de perceber que era a minha vida (que poderia ter fim pelas minhas próprias mãos) me devastou. Uma enchente que inundou dentro de mim e ninguém viu. Eu estava sozinha. Sozinha. Repete de novo: S O Z I N H A, sendo impedida de fazer ali o que eu me propus a fazer. Na verdade, eu não estava tão só: tinha álcool, cigarros, remédios para seis meses em que, algumas cartelas que deveriam durar um mês, se acabaram em uma semana. Isso me acompanhou durante as 3 semanas seguidas, ainda lá, em que saí de casa apenas 3 vezes (pra comprar presentes para os meus amigos não ficarem decepcionados. Pra mudar minha data do vôo. Pra pegar o táxi e partir). Ah, claro, e pra comprar mais álcool e cigarros, isso, diariamente.
Eu não sei a finalidade desse texto, mas eu só quero dizer pra vocês pararem!
Tudo isso foi como um longo processo cirúrgico. Teve o tempo de resguardo, diminuindo a dor com drogas. Teve o tempo de revolta (o mais longo). O tempo de crise de identidade (eu não queria fazer o que mais amava, que era jogar handebol) (e obrigada, meninas da UFMG pela ajuda que vocês não devem saber que exerceram). E, talvez, agora comece o tempo de cura (processos em andamento, e-mails, denúncias, entrevistas, inquéritos) que eu não espero serem bem sucedidos, afinal, sobre “justiça”, um “veterinário” matou o meu cachorro e está negando, perante o juiz, que ele não atendeu o meu cãozinho após a cirurgia. O professor acha que depende de mim compreender a lógica peruana. A diretora do meu curso acha que feri a honra de um país. A menina que já me beijou quer que eu apenas siga em frente. Os colegas de curso ignoram. Os que sabem, não têm coragem de nomear, quando ainda me perguntam o que ocorreu. São só 128 anos de “abolição”. 24 anos meus. 51 da minha mãe. 80 e algo da minha avó e cento e poucos da minha bisavó, essa, que talvez muitos de vocês já conheceram as suas. O tempo não é escopo para acalmar a dor de alguém. Ainda mais quando lhe negam o seu próprio direito de gritá-lo: “Calma lá, isso é briga de torcida!”, “Calma lá, eu não tenho privilégio algum!”, “Calma lá, existem várias formas de racismo!”, “Calma lá, você vai odiar um país lindo daquele pra sempre?”
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Quando vocês irão começar...

A falar...

“Calma lá, a gente precisa é não deixar que nenhuma pessoa passe por isso mais!”

A sociedade da espetacularização quer as minhas lágrimas, os meus vícios, as minhas receitas, as minhas dívidas, a minha entrega à dor, as minhas derrotas, os meus traumas, a minha fuga, a minha carne, o meu sangue para acreditar no que eu digo?

Vocês têm que parar!

Eu fui educada e socializada, desde criança, pra ir à escola mesmo quando eu não queria, porque durante o recreio todo iriam zombar do meu cabelo (e hoje em dia, alguns, por inbox o idolatram). Eu fui educada pra ficar na aula de religião (mesmo tomando inúmeras advertências) quando o professor falava que a minha crença era negativa. Eu fui educada à sorrir das piadas racistas no Natal, só pra manter o espírito natalino. Eu fui educada à enfrentar uma turma na escola particular, mesmo tendo alunas dizendo que “os pais dela pagavam a minha bolsa”. Eu fui educada a ignorar a torcida, na partida de handebol, zoar o meu cabelo.

“Mãe, vou deixar o meu cabelo natural!” “E você está pronta para aguentar tudo que você sofrerá, minha filha?”

Não, mãe. Eu não estava preparada para aquilo. Mãe, a força que você me deu, tiraram com uma ordem só. Me desculpa, mãe.

Não é porque vocês me vêm de pé, que signifique que eu não siga caindo. Não é porque eu me esforço, todos os dias, para entrar na sala de aula, que eu esteja confortável. Que eu não tremo ao ver Seguranças. Que meu peito não doa quando eu escuto aquelas quatro palavras que formam o nome daquele país.

Eu não sei até quando isso vai durar, mas vocês precisam parar.

Eu não estou pedindo solidariedade de ninguém, eu não peço para se colocarem no meu lugar, eu não peço status, eu não peço explanações, eu não peço a sua compreensão, eu só quero que vocês parem!

“Quando eu não conseguir me colocar no lugar do outro, que eu não dê voz a dor que ele sentiu”

Setembro acabou, e houve aquela campanha toda e curiosamente foi o mês em que mais ouvi de vocês o que não nunca pedi para escutar. Se você não escuta a minha dor, não diga nada.


Vocês realmente precisam parar.

Esse texto é mais uma noite de perturbação, das muitas que tenho. 

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